sexta-feira, 15 de novembro de 2013

CCC – Canais Curtos de Comercialização. Estratégia para o desenvolvimento rural sustentável e uma dieta saudável. (I)

Hoje com a globalização do sistema agroalimentar, camponeses e consumidores são afetados pelos interesses de entidades tão variadas  e alheias como  grandes produtores de fertilizantes e agrotóxicos, redes de supermercados globalizadas, multinacionais processadoras de alimentos ou grupos financeiros que operam em mercado de futuros, definindo os preços internacionais das commodities agrícolas.

O sistema agroalimentar atual é o resultado de um processo de construção histórica marcado pela crescente mercantilização da alimentação, o intento de controle dos processos ecológicos com a subordinação da natureza através da tecnologia e a desigualdade no reparto social dos produtos agroalimentares.

Historicamente, a agricultura e a alimentação, têm constituído uma economia natural baseada na fotossíntese onde a energia adicional utilizada é de origem animal ou humano, o estrume é o principal adubo e as sementes foram produzidas e selecionadas pelos agricultores e agricultoras anônimas. A produção de alimentos era orientada para cobrir as necessidades da população local próxima e possibilitava o desenvolvimento das outras atividades humanas.


 Desde o final do século XVIII que começa a revolução industrial na Inglaterra e a revolução liberal na França, importantes mudanças começam a ocorrer no sistema agroalimentar. As revoluções liberais ou burguesas envolvem a generalização das relações capitalistas no campo e a consolidação do mercado como a instituição central da articulação econômica, social e política. A partir desse momento, a produção em geral, e a agrícola em particular, é orientada ao mercado sob critérios de lucratividade  empresarial. A partir de 1870 nasce uma nova divisão internacional do trabalho, na medida em que as antigas colônias se transformam em estados e a navegação e as ferrovias permite-o, cria-se uma complexa rede de intercâmbios comerciais agroalimentares voltada a atender a crescente demanda de uma nova dieta industrial baseada na proteína animal. (Friedmann e McMichael, 1989)
Essas importações de alimentos baratos permitiram aos centros industriais da Europa superar obstáculos ao avanço da industrialização, já que liberaram mão de obra no campo para ser direcionada à indústria e capital para o crescimento.

Na fazenda produziam-se a maioria dos insumos, as compras externas eram reduzidas a algumas ferramentas e maquinas. A distribuição desigual da renda e o domínio das grandes propriedades, possibilitava a existência de abundante mão de obra sem alternativa de emprego e com salários de subsistência, gerando um importante excedente monetário para financiar processos de industrialização (Naredo, 1971). Sendo tecnicamente possível o fornecimento alimentar, como provam as exportações, essa organização politica e social do sistema agroalimentar centrou-se nos processos de acumulação mercantil acima da pobreza, a exploração e a fome da maioria da população.

A industrialização urbana generalizada após a Segunda Guerra Mundial atrai mão de obra agraria que procurava estabilidade no emprego e melhores salários, impulsiona a mecanização das tarefas agrícolas, incrementa os rendimentos agrários e barateia a alimentação introduzindo fertilizantes inorgânicos, herbicidas e praguicidas assim como sementes de alta resposta ao uso desses agrotóxicos e da irrigação (Naredo, 1971). A agricultura e a pecuária tornam-se um grande mercado para uma nova indústria mecânica, química e de sementes.
Esperava-se que os custos dos novos insumos foram compensados  com o aumento da receita em decorrência do aumento da produtividade. Inicialmente foi assim, pelo menos para as grandes fazendas corporativas. No entanto, com o passar do tempo e o aumento da oferta dos alimentos, caíram os preços de venda e as receitas dos agricultores e pecuaristas começaram primeiramente a estagnar-se e a continuação á decrescer.  Enquanto os custos de insumos continuaram a crescer.

Atualmente, a crise de rentabilidade da agropecuária é generalizada. Mas essa crise a sofrem especialmente a agricultura e sistemas de produção baseados no trabalho familiar por não se adaptarem ás exigências de padronização, preços baixos e fornecimento em escala dos mercados globais.

A indústria e as cidades precisam um fornecimento alimentar em escala estável, barato e não perecível para alimentar uma força de trabalho com sobra monetária, para a aquisição de bens industriais e serviços. A alimentação também é industrializada  e torna-se objeto de consumo.
O consumo da classe trabalhadora nos países industrializados,  torna-se pela primeira vez na história , o principal componente da demanda e portanto, o motor do crescimento econômico.
Na alimentação há um processo de apropriação pela indústria  de insumos agrícolas que começa a transformar em mercadorias o que antes se gerava nas fazendas e um processo de substituição de alimentos naturais por alimentos embalados e processados industrialmente (Goodman e   Redclifte, 1991)

A alimentação torna-se uma mercadoria antes que um bem necessário. O sistema agroalimentar é dominado pelas indústrias de insumos agrícolas e pelas indústrias de transformação de alimentos.
Depois de três décadas de crescimento , na década de 1970 , o modelo de produção e consumo em escala chamada Fordista (Aglietta, 1979) entra em crise. Os mercados cada vez mais instáveis e saturados são incapazes de absorver a crescente oferta de produtos industriais e alimentares que gera esse sistema de produção.
As politicas Keynesianas no curto prazo resultam no crescente endividamento publico de forma que a crise fiscal do estado acaba justificando o enfraquecimento do público  em favor da crescente liberalização dos mercados.

Os custos ecológicos da revolução verde e a alimentação industrializada começam a ser evidentes, assim como o fracasso social em termos de erradicação da fome e da pobreza, deslegitimando ante a sociedade o sistema agroalimentar industrial.

Durante a década de 1980 iniciou-se um processo de reestruturação econômica e política produtiva em resposta à crise internacional que levou ao que veio a ser conhecido difusamente como globalização.
Começa uma nova etapa de aprofundamento e expansão de mercados ( Harvey, 2003), com base nas novas tecnologias de informação ( Coriat ,1992 ), redes hierárquicas de empresas e sistemas produtivos industriais deslocalizados, a precarização das relações trabalhistas (Sennett, 2000) e o desenvolvimento dos transportes de longa distancia. As mudanças regulatórias nacionais e internacionais em favor de espaços geopolíticos supranacionais e, acima de tudo, das empresas multinacionais, como principais agentes reguladores através de alguns mercados dominados por fluxos financeiros e aumento da extração de energia e materiais ( Aguilera e Naredo , 2009)

A organização alimentar ligada à globalização ainda é baseada no pacote tecnológico da Revolução Verde, mas agora incorporou a nova biotecnologia das culturas. A integração corporativa das empresas produtoras de sementes e agroquímicos nos novos gigantes genéticos (ETC ,2008) com base numa nova matriz de biotecnologia de " ciências da vida" gera uma nova pressão nos sistemas agrícolas.

O intenso processo de fusões e aquisições de empresas agroalimentares, estimulado pela crescente “financeirização” da economia, tem consolidado o poder dos gigantes alimentares proprietários de marcas globais como Nestlé ou Unilever com amplo portfólio demarcas locais.
A criação de marcas ligadas a novos alimentos funcionais e ”farmalimentos” concentram as inversões destas empresas, enquanto a alimentação nos países ricos  é fragmentada e polarizada.
Mas o elemento diferencial da globalização alimentar é o novo poder estratégico da distribuição comercial. Em um contexto de mercados alimentares cada vez mais saturado, o acompanhamento das mudanças na demanda e o controle de acesso aos consumidores  dá aos grandes varejistas um papel predominante no funcionamento das redes de abastecimento globais (Dawson, 1995; Ducatel e Blomley, 1990; Lowe y Wrigley, 1996). Isto é reforçado através do processo de “financeirização” dessas empresas adiando pagamentos aos fornecedores e a revalorização do dinheiro á curto prazo através de mercados financeiros internacionais ( Burch e Lawrence , 2007).

Consequentemente o poder estratégico da distribuição modela e orienta também os restantes setores dos sistemas agroalimentares nesse período  (Fine y Leopold, 1993; Fine et al., 1996).
McMichael (2009) observa a consolidação de um novo “Regime alimentar corporativo " onde a regulação nas mãos de uma rede própria dos estados-nação do fordismo deu lugar ao domínio das corporações multinacionais dentro do sistema agroalimentar.


Burch y Lawrence (2009) argumentam um novo «regímen alimentar financeirizado» onde as principais empresas da distribuição comercial alimentar são transformadas em grandes agentes nos mercados financeiros, em aliança com outras multinacionais agroalimentares que tem consolidado sua dimensão financeira como estratégia de domínio, erguem-se como os principais agentes da organização agroalimentar no mundo. A financeirização da economia implica um domínio corporativo sem precedentes através de fusões e aquisições criando um novo tipo de dinheiro financeiro (Naredo, 2006, 2009)
(Continua no próximo post ...)

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