Hoje com a globalização do sistema agroalimentar, camponeses
e consumidores são afetados pelos interesses de entidades tão variadas e alheias como grandes produtores de fertilizantes e
agrotóxicos, redes de supermercados globalizadas, multinacionais processadoras
de alimentos ou grupos financeiros que operam em mercado de futuros, definindo
os preços internacionais das commodities agrícolas.
O sistema agroalimentar atual é o resultado de um processo
de construção histórica marcado pela crescente mercantilização da alimentação,
o intento de controle dos processos ecológicos com a subordinação da natureza
através da tecnologia e a desigualdade no reparto social dos produtos
agroalimentares.
Historicamente, a agricultura e a alimentação, têm constituído
uma economia natural baseada na fotossíntese onde a energia adicional utilizada
é de origem animal ou humano, o estrume é o principal adubo e as sementes foram
produzidas e selecionadas pelos agricultores e agricultoras anônimas. A
produção de alimentos era orientada para cobrir as necessidades da população local
próxima e possibilitava o desenvolvimento das outras atividades humanas.
Desde o final do
século XVIII que começa a revolução industrial na Inglaterra e a revolução
liberal na França, importantes mudanças começam a ocorrer no sistema
agroalimentar. As revoluções liberais ou burguesas envolvem a generalização das
relações capitalistas no campo e a consolidação do mercado como a instituição
central da articulação econômica, social e política. A partir desse momento, a produção
em geral, e a agrícola em particular, é orientada ao mercado sob critérios de
lucratividade empresarial. A partir de
1870 nasce uma nova divisão internacional do trabalho, na medida em que as
antigas colônias se transformam em estados e a navegação e as ferrovias permite-o,
cria-se uma complexa rede de intercâmbios comerciais agroalimentares voltada a
atender a crescente demanda de uma nova dieta industrial baseada na proteína animal.
(Friedmann e McMichael, 1989)
Essas importações de alimentos baratos permitiram aos
centros industriais da Europa superar obstáculos ao avanço da industrialização,
já que liberaram mão de obra no campo para ser direcionada à indústria e
capital para o crescimento.
Na fazenda produziam-se a maioria dos insumos, as compras
externas eram reduzidas a algumas ferramentas e maquinas. A distribuição
desigual da renda e o domínio das grandes propriedades, possibilitava a existência
de abundante mão de obra sem alternativa de emprego e com salários de subsistência,
gerando um importante excedente monetário para financiar processos de
industrialização (Naredo, 1971). Sendo tecnicamente possível o fornecimento
alimentar, como provam as exportações, essa organização politica e social do
sistema agroalimentar centrou-se nos processos de acumulação mercantil acima da
pobreza, a exploração e a fome da maioria da população.
A industrialização urbana generalizada após a Segunda Guerra
Mundial atrai mão de obra agraria que procurava estabilidade no emprego e
melhores salários, impulsiona a mecanização das tarefas agrícolas, incrementa
os rendimentos agrários e barateia a alimentação introduzindo fertilizantes inorgânicos,
herbicidas e praguicidas assim como sementes de alta resposta ao uso desses agrotóxicos
e da irrigação (Naredo, 1971). A agricultura e a pecuária tornam-se um grande
mercado para uma nova indústria mecânica, química e de sementes.
Esperava-se que os custos dos novos insumos foram
compensados com o aumento da receita em decorrência
do aumento da produtividade. Inicialmente foi assim, pelo menos para as grandes
fazendas corporativas. No entanto, com o passar do tempo e o aumento da oferta
dos alimentos, caíram os preços de venda e as receitas dos agricultores e pecuaristas
começaram primeiramente a estagnar-se e a continuação á decrescer. Enquanto os custos de insumos continuaram a
crescer.
Atualmente, a crise de rentabilidade da agropecuária é
generalizada. Mas essa crise a sofrem especialmente a agricultura e sistemas de
produção baseados no trabalho familiar por não se adaptarem ás exigências de
padronização, preços baixos e fornecimento em escala dos mercados globais.
A indústria e as cidades precisam um fornecimento alimentar
em escala estável, barato e não perecível para alimentar uma força de trabalho
com sobra monetária, para a aquisição de bens industriais e serviços. A
alimentação também é industrializada e torna-se
objeto de consumo.
O consumo da classe trabalhadora nos países industrializados,
torna-se pela primeira vez na história ,
o principal componente da demanda e portanto, o motor do crescimento econômico.
Na alimentação há um processo de apropriação pela indústria de insumos agrícolas que começa a transformar
em mercadorias o que antes se gerava nas fazendas e um processo de substituição
de alimentos naturais por alimentos embalados e processados industrialmente
(Goodman e Redclifte, 1991)
A alimentação torna-se uma mercadoria antes que um bem necessário.
O sistema agroalimentar é dominado pelas indústrias de insumos agrícolas e
pelas indústrias de transformação de alimentos.
Depois de três décadas de crescimento , na década de 1970 , o
modelo de produção e consumo em escala chamada Fordista (Aglietta, 1979) entra
em crise. Os mercados cada vez mais instáveis e saturados são incapazes de absorver
a crescente oferta de produtos industriais e alimentares que gera esse sistema
de produção.
As politicas Keynesianas no curto prazo resultam no crescente
endividamento publico de forma que a crise fiscal do estado acaba justificando
o enfraquecimento do público em favor da
crescente liberalização dos mercados.
Os custos ecológicos da revolução verde e a alimentação industrializada
começam a ser evidentes, assim como o fracasso social em termos de erradicação
da fome e da pobreza, deslegitimando ante a sociedade o sistema agroalimentar
industrial.
Durante a década de 1980 iniciou-se um processo de reestruturação
econômica e política produtiva em resposta à crise internacional que levou ao
que veio a ser conhecido difusamente como globalização.
Começa uma nova etapa de aprofundamento e expansão de mercados
( Harvey, 2003), com base nas novas tecnologias de informação ( Coriat ,1992 ),
redes hierárquicas de empresas e sistemas produtivos industriais
deslocalizados, a precarização das relações trabalhistas (Sennett, 2000) e o desenvolvimento
dos transportes de longa distancia. As mudanças regulatórias nacionais e
internacionais em favor de espaços geopolíticos supranacionais e, acima de
tudo, das empresas multinacionais, como principais agentes reguladores através
de alguns mercados dominados por fluxos financeiros e aumento da extração de energia
e materiais ( Aguilera e Naredo , 2009)
A organização alimentar ligada à globalização ainda é
baseada no pacote tecnológico da Revolução Verde, mas agora incorporou a nova
biotecnologia das culturas. A integração corporativa das empresas produtoras de
sementes e agroquímicos nos novos gigantes genéticos (ETC ,2008) com base numa
nova matriz de biotecnologia de " ciências da vida" gera uma nova
pressão nos sistemas agrícolas.
O intenso processo de fusões e aquisições de empresas
agroalimentares, estimulado pela crescente “financeirização” da economia, tem consolidado
o poder dos gigantes alimentares proprietários de marcas globais como Nestlé ou
Unilever com amplo portfólio demarcas locais.
A criação de marcas ligadas a novos alimentos funcionais e ”farmalimentos”
concentram as inversões destas empresas, enquanto a alimentação nos países ricos
é fragmentada e polarizada.
Mas o elemento diferencial da globalização alimentar é o
novo poder estratégico da distribuição comercial. Em um contexto de mercados
alimentares cada vez mais saturado, o acompanhamento das mudanças na demanda e
o controle de acesso aos consumidores dá
aos grandes varejistas um papel predominante no funcionamento das redes de
abastecimento globais (Dawson, 1995; Ducatel e Blomley, 1990; Lowe y Wrigley,
1996). Isto é reforçado através do processo de “financeirização” dessas
empresas adiando pagamentos aos fornecedores e a revalorização do dinheiro á
curto prazo através de mercados financeiros internacionais ( Burch e Lawrence ,
2007).
Consequentemente o poder estratégico da distribuição modela
e orienta também os restantes setores dos sistemas agroalimentares nesse período
(Fine y Leopold, 1993; Fine et al.,
1996).
McMichael (2009) observa a consolidação de um novo “Regime
alimentar corporativo " onde a regulação nas mãos de uma rede própria dos
estados-nação do fordismo deu lugar ao domínio das corporações multinacionais
dentro do sistema agroalimentar.
Burch y Lawrence (2009) argumentam um novo «regímen alimentar
financeirizado» onde as principais empresas da distribuição comercial alimentar
são transformadas em grandes agentes nos mercados financeiros, em aliança com
outras multinacionais agroalimentares que tem consolidado sua dimensão
financeira como estratégia de domínio, erguem-se como os principais agentes da
organização agroalimentar no mundo. A financeirização da economia implica um domínio
corporativo sem precedentes através de fusões e aquisições criando um novo tipo
de dinheiro financeiro (Naredo, 2006, 2009)
(Continua no próximo post ...)
(Continua no próximo post ...)

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